11 de nov. de 2012

Consciência Negra - Minha Família é Colorida


MINHA FAMÍLIA É COLORIDA
                                      Georgina Martins
Todo mundo  nasceu de um pai e de uma mãe, como o Ângelo, o menino desta história. O Ângelo tem dois irmãos, o João e o Camilo, que são assim:
O Ângelo é um menino que gosta muito de pensar nas coisas da vida, e, um dia, depois de observar toda a sua família, falou:
— Mãe, o meu cabelo não “vua”, o da minha avó Marli “vua”, o seu “vua”, o do Camilo “vua” um pouco, e o do meu pai, não. Sabe por quê? Meu pai passou cola no meu cabelo e no dele também.
A mãe do Ângelo, que não estava entendendo nada daquela história de cabelo que voava e que não voava, olhou para ele e disse:
— Não é “vua” que se fala, é voa!
Antes de responder, a mãe mostrou ao Ângelo um retrato.
- Meu filho, você está vendo esta foto? É da sua bisavó, a avó do seu pai; ela já morreu. Você é muito parecido com ela, por isso é que você é bem moreno.
Então o Ângelo resolveu fazer outra pergunta:
- Mãe, a minha bisavó é bisavó do Camilo também?
- Claro! Se ela é avó do seu pai, tem que ser bisavó de vocês dois.
Ai. O Ângelo, com uma cara de quem não estava entendendo nadinha, fez outra pergunta:
- Então por que a pele do Camilo também não é iguazinha à dela? Por que a pele dele é branca e a minha não é?
Nessa hora,  a mãe do Ângelo percebeu que precisava explicar melhor aquela história.
-  Pra você entender tudo direitinho, vou  lhe contar a história da nossa família.
Há muito tempo, num lugar não muito longe daqui, o pai do pai do pai do Ângelo conheceu a mãe do pai do pai do Ângelo. Mas, naquele tempo, eles ainda não eram nem pai nem mãe de ninguém. Era apenas uma moça e um rapaz apaixonados.
Dizem que o pai do pai do pai do Ângelo se apaixonou pela cor da pele da mãe do pai do pai do Ângelo, que era negra como a noite. Dizem, ainda, que ele se apaixonou  pelos olhos dela, que eram pretinhos como duas jabuticabas maduras.
E, como estavam apaixonados, combinava em tudo. Então, a mãe do pai do pai do Ângelo se encantou pelos olhos do pai do pai do pai do Ângelo, que eram azuizinhos como o céu, e também  pela cor de sua pele,  que era branca como um copo de leite.
Eles ficaram tão apaixonados um pelo outro que resolveram se casar, porque, ai, poderiam ficar olhando para os olhos um do outro todas as horas que desejassem.
Eles ficaram juntinhos que, às vezes, não dava nem para saber quem era um,  quem era o outro. Muito menos dava para ver a cor dos olhos deles: nessa hora, eles fechavam os olhos para poder sonhar.
E, quase todas às vezes em que eles ficavam  juntos, os pedacinhos de um se misturavam com os pedacinho do outro. Essa mistura de pedacinhos deu origem a um monte de menininhos.  Um deles é o pai do pai do Ângelo, o avô Agostinho.
O avô Agostinho foi crescendo, crescendo, crescendo e um dia, ele conheceu a avó Marli. Mas naquele tempo eles eram avós de ninguém. Eram só um casal apaixonados
O avô Agostinho diz que se apaixonou pelas tranças da avó Marli, que eram compridos, e que ele adorava ficar puxando.
E a avó Marli conta que se apaixonou pelos cabelos do avô Agostinho, que eram como os seus, todos enroladinhos. Pareciam os pelos dos carneirinhos que havia na fazenda do avô dela.
Eles ficaram tão apaixonados que também resolveram ficar bem juntinhos para sempre, pois o avô Agostinho só queria saber de ficar puxando as tranças da avó Marli, e a avó Marli só queria saber de ficar enrolando os dedos nos cachinhos do avô Agostinho.
Então, depois de puxa cabelo pra cá, enrola cabelo pra lá, o avô Agostinho e a avó Marli tiveram quatro menininhos: o pai do Ângelo e os tios do Ângelo, que, naquele tempo, não eram pai nem tios de ninguém.
Ai, o tempo foi passando. E os quatro foram crescendo, crescendo... Um dia, o mais velho conheceu uma moça e se apaixonou por ela.
Essa moça era a filha da avó Célia com o avô Edilson. O avô Edilson, que já morreu, era um cearense de olhos verdes. A avó Célia conta que o avô Edilson se apaixonou pela cara dela, que ele achava mais bonita do que a lua.  E  ela se apaixonou pelos olhos do avô Edilson, verdes como as ondas do mar.
A avó Célia e o avô Edilson de tanto que olharam para a cara e para os olhos um do outro, acabaram querendo se casar.  Olharam-se tanto, mas tanto, que também misturaram os seus pedacinhos, e dessa mistura toda nasceu a tal moça, a que depois ficou sendo a mãe de Ângelo.
Dizem que o rapaz, aquele, o mais velho dos quatro filhos do avô Agostinho, que depois ficou sendo o pai do Ângelo, se apaixonou pelos caracóis dos cabelos da filha da avó Célia. E que a filha da avó Célia, a mãe do Ângelo, se apaixonou pelo sorriso dele, que iluminava a cara toda.
Assim como os outros, eles também decidiram morar na mesma casa. Só para poder se olhar o tempo todo. Acontece que eles não foram morar sozinhos, porque a mãe do Ângelo, antes de ser mãe do Ângelo e do Camilo, já tinha o João, que era filho dela com outro pai, e naquele tempo, não existiam nem Ângelo nem Camilo. O João era assim:
O pai do Ângelo, a mãe do Ângelo e o João foram morar na mesma casa. E entre o pai do Ângelo era um tal de sorrisos pra cá e de caracóis pra lá que eles resolveram ter mais dois filhos, o Camilo e o Ângelo. E eles eram assim:
Então, o tempo foi passando, passando, passando... e, hoje, a nossa família ficou desse jeito:
Bem. Depois que a mãe do Ângelo acabou de contar essa história, ele fez uma cara de quem estava começando a entender um bocado de coisas. Então olhou para mãe e falou:
- Mãe, então sabe por que o meu cabelo não “vua” e a minha pele é assim, dessa cor? É porque a nossa família é toda colorida, e eu acho que ela é muito bonita, igualzinha à minha caixa de lápis de cor!

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